Foro galego de testemuña cívica


Que é a diglossia?

13-04-2014 21:47

Vítor Meirinho

Ũa das particularidades de comunidades como a Galiza, onde duas linguas ocupam o mesmo espaço público, é que som de uso mais ou menos corrente certos termos que noutros lugares estám reservados para os debates especializados ou para as obras da disciplina linguística. Tal é o caso da palavra «diglossia», que entre nós faz parte da cultura geral de qualquer pessoa escolarizada nos últimos trinta anos. Falamos de diglossia para referirmo-nos à desigualdade social entre duas línguas: ũa, como o galego, original dum território; e outra, como o castelhano, que veio ocupar o espaço da língua anterior, e que é dominante politicamente ademais de prestigiosa socialmente. Por este motivo, a língua dominante tende a substituir a língua autóctone, primeiro nos usos públicos e depois, cada vez mais, nos usos privados.

Tudo isto nom precisa grandes explicações. O sentido comum do termo «diglossia», como as suas implicações, som bem conhecidos. Mas o conceito tem uma história dentro da linguística que talvez nom seja tam conhecida, e que é interessante ter em conta para entender como se acabou por aplicar ao caso galego. Este esclarecimento provavelmente nom terá ũa aplicaçom imediata, mas é sempre útil para dilucidar assuntos mais concretos.

A primeira definiçom de «diglossia» foi recolhida por Charles Ferguson num artigo de 19591 . Naquele sentido original, o termo referia-se a um tipo de convivência muito específico entre duas línguas. Estas duas línguas estariam geneticamente emparentadas, pois normalmente ũa era origem da outra. A língua mais nova histo- ricamente seria a língua de uso comum por parte de toda a populaçom, enquanto a língua mais antiga seria a língua de uso formal. Ferguson chama a língua antiga e formal de «variedade alta» ou «variedade A», e a língua moderna e popular de «variedade baixa» ou «variedade B».

O exemplo geograficamente mais próximo que temos disto seria a relaçom entre o latim e as língua românicas. Durante boa parte da Idade Média, o latim era a variedade A e as línguas romances eram as variedades B. Ũa característica definitória da diglossia, segundo Ferguson, é que a variedade alta está codificada, normativizada, enquanto a variedade baixa nom está: o seu uso corre, pedestremente, nas interacções da gente. Outra característica é que usos dũa e doutra variedade estám delimitados rigidamente segundo a contexto: o latim é para falar na missa ou na universidade, mas nom é para falar no mercado. À inversa, o castelhano, ou galego, ou provençal, eram para falar no comércio, mas nom para serem usados em tratados filosóficos. Isto faz com que a diglossia seja algo bem diferente do que habitualmente se entende por tal na Galiza de hoje: na diglossia segundo foi definida por Ferguson nom é que haja uma classe social que fala uma língua e outra classe social que fale outra, e que por causa do prestígio da primeira a língua baixa tendesse a desaparecer. Contrariamente, na diglossia medieval entre o latim e as línguas romances todos falavam a língua baixa no dia-a-dia: simplesmente, em certas situações formais era obrigado o uso dũa outra variedade linguística. A língua, pois, nom separava tanto as classes sociais como as situações. Esta tipo de situações tende a ser estável: a língua A nom ocupa os espaços da língua B nem sucede que a língua B ocupe o espaço da língua A.

Na década seguinte ao artigo de Ferguson, Joshua Fishman2 ampliou o conceito de diglossia. Em primeiro lugar, incluiu qualquer tipo de variedades linguísticas, com independência de que tivessem ou nom tivessem relaçom genética: duas línguas nom emparentadas também poderiam estar em relaçom diglóssica. Em segundo lugar, Fishman construiu ũa tipologia de relações diglóssicas. O tipo definido originalmente por Ferguson passou a ser apenas um de vários tipos possíveis de diglossia, e Fishman chamou-no de «diglossia monolingue»: ũa situaçom em que todas as pessoas usam duas línguas, em que o uso destas línguas está delimitado segundo o contexto e onde nenhũa língua ameaça a pervivência da outra.

Em segundo lugar está a «diglossia bilingue». Nesta situaçom existe ũa classe social que usa a língua A nom apenas para as funções altas (ensino, liturgia), mas também como a sua língua habitual diária. As classes baixas, pola sua parte, também só usam ũa única língua, a língua B. Nesta situaçom já temos ũa diferença social além da diferença funcional: a língua A, língua dos ricos e da alta cultura; a língua B, língua dos pobres e da cultura popular.

A diglossia bilingue pode também ser estável no tempo, com a condiçom de que nom exista muita mobilidade social. Quanto esta ocorre, a língua A começa a ser empregue polos grupos sociais que antes só empregavam a língua B, e ganha número de falantes e frequência de uso, primeiro como língua de uso formal e por último como língua corrente. Estamos entom perante um terceiro tipo de diglossia: a diglossia de substituiçom.

Como se vê, o segundo e o terceiro tipo de diglossia definidos por Fishman som os tipos que na actualidade se associam, na Galiza, ao conceito geral. Isto sucedeu depois de que, durante as décadas de 1970 e 1980, os sociolinguistas mais activos politicamente tomassem o termo para descreverem a situaçom das línguas das nações europeias sem estado: em Espanha este conceito mais restrito de diglossia começou a ser usado na Catalunha e daí foi exportado para as demais nacionalidades3.

Porém, o primeiro tipo de diglossia segundo a classificação de Fishman, que corresponde com o conceito original segundo foi definido por Ferguson, nom deixou de ter o seu uso. Aliás, o seu sentido ampliou-se: de designar ũa relaçom entre duas variedades muito distantes gramatical e historicamente da mesma língua, ou entre ũa língua «mãe» e ũa língua «filha», acabou por usar-se para fazer referência, de modo mais geral, a aquilo que talvez com mais propriedade deveria designar-se como relaçom entre registos linguísticos; isto é, a relaçom entre o registo culto ou formal e os registos mais informais. Desse ponto de vista, todas as línguas vivem em diglossia, pois é natural que exista ũa norma lingüística, um modelo ou padrom, e que existam níveis de uso diferente (segundo o contexto) e dialectos variáveis (tanto dialectos geográficos quanto dialectos sociais). Esta relaçom diglóssica, que é inerente ao facto linguístico, nom é estável: a variedade padrom exerce continuamente a sua influência sobre as demais variedades, modifica-as e é modificada por elas.

Daqui surge outra distinçom conceptual: a diferença entre diglossia interna e diglossia externa. Costuma-se dizer que a diglossia interna ocorre quando a variedade que influi nos usos linguísticos da comunidade social faz parte da própria língua dessa comunidade, ou faz parte no mínimo do seu tronco linguístico. A diglossia externa dá-se quando quando a variedade influente é parte dũa língua ou dum sistema linguístico alheio ao idioma próprio da comunidade. Assim, a diglossia que exerce a variedade padrom do inglês sobre os dialectos ingleses da Grã-Bretanha é ũa diglossia interna; a diglossia que exerce o castelhano sobre as variedades quíchuas na América do Sul é ũa diglossia externa.

A maior parte das pessoas monolingues nom se importam com a diglossia interna da sua língua. Os diferentes modos de falar e a consciência de que nom sempre falamos de acordo com a variedade padrom nom causam, polo geral, grande conflito, no máximo estas diferenças som observado com um pouco de humor. Todo o mundo sabe que na Andaluzia é frequente omitir o -s- final nas sílabas, ou que em Madrid é habitual subsituí-lo polo som da letra -j-. Mas andaluzes e madrilenos reconhecem na pronúncia completa do -s- a variedade modélica da sua língua, e nom se estranham por ela nem a rejeitam.

Porém, nom é tam frequente a mesma tolerância no caso de línguas minoritárias ou com pouco prestígio. O que noutras situações passa mesmo desapercebido, cobra aqui ũa importância simbólica singular. A gente dirá que o seu vizinho nom fala igual que eles porque pronuncia tal palavra de modo diferente, e estará disposta a atacar com grande tenacidad a validez de qualquer norma linguística por nom «representar» o modo próprio de falar. No espanhol, pronunciar hermanos ou hemmanoh carece de importância a efeitos normativos; no galego a diferença entre irmám ou irmau, e outras semelhantes, deu durante o século XX para debates intermináveis. Por que sucede isto? Provavelmente, a própria situaçom social de línguas como o galego faz com que se tenha com elas uma atitude mais «etnológica», e com que se pretenda registá-las dum modo mais «apegado ao terreno», como se fôssemos antropólogos.

As críticas que recebem tanto a norma oficial do galego quanto as normas reintegracionistas partem, com alguma frequência, desta atitude etnológica (se bem é certo que cada vez está menos presente). Por outra parte, como a tradiçom normativa nom é tam extensa como noutras línguas, é normal que surjam debates e disputas por estar menos consolidada historicamente.

De qualquer maneira, o fundamental do assunto nom é a escolha de tal ou qual forma idiomática para torná-la normativa. A normatividade nom é apenas um assunto de engenharia linguística, mas também é um facto social. A construçom, necessária, duma norma por parte de academias ou de institutos universitários nom dá necessariamente valor social a essa construçom. Tanto ou mais importante que a norma é a tendência social a assumi-la. Desde esse ponto de vista, pode-se questionar se a evoluçom do galego se rege socialmente por ũa diglossia interna ou por ũa diglossia externa. Parece-me inegável que três décadas de autonomia e de cooficialidade entre o galego e o castelhano criárom alguma tendência em favor da diglossia interna, mas também é inegável que a diglossia externa —isto é, a regência que exerce o modelo castelhano sobre o modo de usar o galego— continua a ser a principal força normativa e social com influência nos usos linguísticos.

 

1 Ferguson, Charles A. «Diglossia». Em Language in culture and society: a reader in linguistics and anthropology, ed. Dell Hymes, 429-439. Nova Iorque: Harper & Row, 1964.

2 Fishman, Joshua A. «Bilingualism with and without diglossia: diglossia with and without bilingualism

». Journal of Social Issues 23-2 (1967): 48-57.

3 Ninyoles, Rafael. Conflicte lingüístic valencià. Substitució lingüística i ideologies diglòssiques. Valencia: Tres i Quatre, 1995.

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